sexta-feira, maio 28, 2010

3 dias no hospital público - parte final

Três dias confinado num hospital público sem ao menos uma televisão dentro do quarto exige um certo jogo de cintura para fazer o tempo passar. Ler livros, dormir, andar pelos corredores, comer, beber e dormir novamente. Mas um das coisas que apreciei neste tempo todo foram as pessoas que conheci lá dentro. Todos os que estão internados têm algo em comum: um histórico de doenças ou de uma deficiência física. No meu caso até que fui atendido rapidamente. Soube de pacientes que estavam há uma ou duas semanas aguardando por uma cirurgia. Aí não somente jogo de cintura para fazer o tempo passar mas também uma paciência de Jó.
A primeira pessoa que iniciei conversa foi um senhor que aguardava uma cirurgia no cérebro havia uma semana. Ele era jogador de futebol e seguiu carreira até os 30 anos. Neste tempo todo, nenhuma lesão séria, porém havia um coágulo no cérebro não diagnosticado e tratado a tempo no início, fruto de batida contra a cabeça de um outro jogador e por negligência do médico foi deixado de lado. Ele resolveu se tratar no SUS porque o hospital particular cobrava R$ 8.000,00 de cirurgia mais R$ 3.000,00 de diária. Só os exames haviam custado R$ 1.500,00! Como ele mesmo disse: "Se é para eu estar aqui, que seja a vontade de Deus", já que é um homem religioso.

Se o tempo demora para passar dentro do hospital, há quem não aguente ficar dias internado. Uma semana é o suficiente para deixar qualquer um subindo pelas paredes. Havia um jovem na mesma ala que eu e fez várias tentativas de fuga até que conseguiu passar batido pelos seguranças. Um outro paciente que havia sido atropelado numa estrada também tentou, mas não conseguia. O atropelamento devia ter sido tão forte pois ele não conseguia raciocinar direito. E tinha cada história para registrar lá dentro. Um rapaz que sofreu um acidente de carro, com fortes dores no peito pelo impacto contra o volante do carro da empresa, um homem que foi salvo de um afogamento e estava lá sob observação. Um pedreiro que reformava uma casa e uma parede caiu sobre ele. Na noite que dormi no corredor, havia um jovem que sofreu um acidente de moto havia um certo tempo. Ele simplesmente não tinha nenhuma sensibilidade no braço direito. Parecia um braço morto. Ficou uma semana inteira internado no hospital público da cidade onde ele mora sem os cuidados de um neurocirurgião.

Depois da minha cirurgia fui parar num quarto onde conheci um dos gestores do União F.C., um time local que disputa a 2ª divisão do campeonato paulista. Ele passou por uma cirurgia para a retirada do seu baço. Quando chegou o dia programado para a minha alta não via a hora de sair daquele ambiente de hospital, vendo dor e sofrimento, doenças de todo tipo, pessoas com dificuldade para esboçar um sorriso. Somente caretas de dor. Haja paciência para médicos e enfermeiros, pois muitas vezes não somos em nada pacientes. Extravasamos a nossa ingratidão pela comida insossa, a teimosia e a rabugice em não obedecer ao tratamento. Aquele azedume típico de velho chato e insuportável. Espero nunca chegar a este ponto. Até o dia de hoje, ainda faltam mais duas semanas, pelo menos, na qual tenho que manter os fios de kirschner espetados no meu punho. Ultimamente, estou convivendo com um corte de quase 1cm de comprimento num dos metais. E a retirada deles é no alicate e sem anestesia! Uma coisa boa neste tempo que fiquei no hospital era o desfile das estudantes de medicina da Unifesp nos corredores. Difícil era eleger a mais linda, tarefa igualmente difícil era eleger a menos bonita!


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